terça-feira, 4 de junho de 2013

Série Copas (parte 1) Amarelinha



O blog  "A Bola é uma História" inicia hoje uma série de textos sobre as Copas do Mundo. Nos próximos dias virá a segunda parte dessa história.


Futebol brasileiro perde brilho e agora corre para retomar a magia

Seleção derrota o “complexo de vira-latas”  

Paulo Machado de Carvalho, o chefe da delegação brasileira, acordou inquieto naquele dia, obcecado com uma ideia que não lhe dava sossego havia dias. E na primeira oportunidade chamou o massagista Mário Américo para uma conversa:
- Negrinho, eu quero essa bola.
A bola era a da final da Copa do Mundo de 1958, na Suécia, decisão que seria disputada naquele domingo, 29 de junho, entre a seleção brasileira e a equipe dos donos da casa. Pelas regras do futebol caberia ao juiz, depois de trilar o apito, colocar a bola debaixo do braço e deixar o campo, acompanhado dos auxiliares e policiais encarregados da segurança dos árbitros. 
A cena sempre se repetia. E desde 1930, quando começou o campeonato mundial entre seleções nacionais, tinha sido assim. Mas o chefe da delegação brasileira pensava diferente: como o Brasil ganharia o jogo, tinha certeza, nada mais justo que o país ficasse com a bola.


Didi, o maestro da seleção brasileira de 1958

 


Paulo Machado de Carvalho e Mário Américo faziam parte de um grupo que estava a caminho de dar o último lance numa seqüência de jogos jamais vista e que poderia ter pela primeira vez um campeão fora de seu continente. Outras equipes, é certo, já vinham tirando o previsível do jogo em outros tempos, como a seleção húngara, vice-campeã na copa anterior, e a própria seleção brasileira, terceira posição em 1938 e vice-campeã em 1950.
 Mas a atuação da seleção em 1958 fora até então algo como reconstruir o jeito de se praticar o futebol, esporte que nascera oficialmente em 1863 e que ganhava naquele ano na Suécia ingredientes que ficariam cuidadosamente guardados na memória da torcida.
Os entusiastas da escola tradicional do futebol, principalmente os ingleses, que inventaram o esporte e espalharam pelo mundo as cartilhas de como se comportar em campo, estavam alucinados com o que estavam presenciando na competição. A começar pelo ponta-direita de pernas tortas, cujos dribles desorientavam os adversários e encantavam a torcida.

Pelé, em 1958

Para o atacante Garrincha, o mais importante do jogo era o drible. Como quem não quer nada, ele de repente iniciava uma corrida veloz, no que era acompanhado pelos marcadores. Só que ele havia deixado a bola lá atrás, e carregava uma bola imaginária. E voltava para apanhar a bola real. Então fitava quem estava pela frente. Quanto mais adversários, melhor para a sua festa.
Começava a correr de novo. E pulava a bola. Voltava. Repetia o gesto até que os perseguidores, inúmeras vezes, fossem ao chão. E a platéia, ao delírio. Então cruzava a bola na cabeça de um companheiro ou ele mesmo fazia o gol – quando não tinha mais ninguém pra “brincar”, segundo sua lógica. As poucas imagens da época mostram que o público ficava, literalmente, de boca aberta com seus dribles. Este era o Mané, o Mané Garrincha.
Aquilo não estava escrito nos manuais de futebol. Mas também não estava proibido pelas regras do esporte. Era apenas uma folia, na visão do ponta, que ele havia praticado por muito tempo  nos campos de várzea de Pau Grande, Rio de  Janeiro, cidade onde nascera.
Não se sabe o que mais desorientava seus marcadores: a singularidade das fintas ou a imagem daquelas pernas estranhamente tortas – joelho direito virado para dentro e o esquerdo virado para fora, além de ter a perna esquerda seis centímetros mais curta que a direita.
O menino Pelé, então com 17 anos, fazia par com Garrincha, 24 anos, nas cenas do inesperado, o que vinha da capacidade de executar jogadas desconhecidas na hora de preparar e fazer o gol. Não tão brilhantes, mas exuberantes em suas posições, os demais jogadores – aliás, todos atuando nos times do Rio de Janeiro e de São Paulo, os Estados que conduziam o futebol nacional, embora muitos fossem oriundos de outros cantos – eram tidos pela crônica esportiva, equipe técnica e treinadores de outros países como excelentes futebolistas ou craques.
No grupo dos considerados craques da bola, de acordo com avaliação dos profissionais que acompanhavam o futebol, estavam, além de Pelé e Garrincha, o meio-campista Didi, considerado o maestro do time e apelidado de O Príncipe Etíope pelo jornalista e escritor Nelson Rodrigues, dada à sua eficiência em descobrir espaços de jogo, à elegância e à sutileza em tratar a bola, traço marcado pelo passe de curva e pela “folha seca”, a falta que fazia a bola “traçar uma curva sobre a barreira para cair vagarosa, mansa, dentro da meta de um goleiro estático”, como descreveu o jornalista João Máximo, em Gigantes do Futebol Brasileiro.
Naquele clima de apreensão e festa, Paulo Machado de Carvalho e Mário Américo logicamente não se viam como coadjuvantes do espetáculo. E arquitetaram um gran finale que poderia virar de ponta-cabeça a programação do último capítulo da Copa de 1958 - entretenimento que ganharia cada vez mais adeptos dali para a frente, principalmente pela eficiência do esporte em mobilizar as massas e fomentar a nacionalidade.


[1] - No final constam as fontes de informações usadas neste trecho.

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