Hora de tirar as fotos. Jogadores perfilados. Fotógrafos armados. Atenção! Epa! Alguma coisa está errada, pensaram os fotógrafos. Por que todos os jogadores brasileiros estão com a mão no peito? Será que algum dirigente resolveu tocar o hino nacional na hora da fotografia? Estavam ali Careca, Muller, Dunga, Taffarel, Jorginho e os outros jogadores, além da comissão técnica. Todos ainda na Granja Comary, prestes a embarcar para a Itália, onde disputariam a décima quarta Copa do Mundo de futebol. Fazia 20 anos que o Brasil não via a cor do título. O torcedor, saudoso da alegria de 1970, clamava pela vitória.
A tese do hino nacional estava errada. Na verdade, os jogadores brasileiros estavam fazendo uma pequena surpresa para os dirigentes da CBF. Eles estavam tapando com as mãos a logomarca do patrocinador da seleção. Não que eles não gostassem do refrigerante, mas é que eles estavam desconfiados que a parte que lhes cabia no negócio não era exatamente o que estava sendo proposto.
O tiro foi certeiro. Na mesma tarde, já sabendo que aquela foto esquisita seria estampada em todos os jornais do país , os dirigentes da CBF convocaram os atletas para um bate-bola. Antes, chamaram na chincha o técnico da seleção brasileira, Sebastião Lazaroni, que, mudando de posição - até então ele estava do lado da equipe -, empurrou a dura para cima dos atletas. Careca, o mais técnico dos centroavantes da história do futebol brasileiro, que disputava ali a sua segunda copa, conta que ninguém alisou na conversa. Os jogadores tinham direito a 20 por cento do valor do patrocínio, e os US$ 200 mil oferecidos indicavam, no mínimo, que a calculadora da CBF estava defeituosa. E bastante defeituosa.
Os jogadores exigiram que o contrato com o patrocinador viesse à tona. Mas a gaveta da CBF estava fechada e ninguém conseguia achar a chave. Conversa vai, conversa vem, eis que surge mais US$ 200 mil para o time. Quer dizer que tinha mais dinheirinho na jogada?! A partir dali, segundo Careca, a bola deixou de ser tão redonda para a seleção.
Mas a transparência das contas não foi o único problema em 90. Confusões extracampo pipocavam aos montes. Caso exemplar aconteceu em Salvador, antes da estréia do Brasil na Copa América, em 89, uma espécie de ensaio para a Copa da Itália. O presidente do Bahia, Paulo Maracajá, ao saber que Charles, centroavante do seu time, seria cortado da seleção, resolveu rodar a baiana e, de madrugada, raptou o jogador da concentração. Maracajá prometeu uma vaia histórica na Capital baiana. A vaia veio mesmo, a seleção não jogou bulhufas, mas acabou levando a taça na decisão contra o Uruguai, no Maracanã.
Toda a zorra da organização se complicou ainda mais com as contusões. Romário estava quebrado e apareceu na Itália com seu fisioterapeuta particular, o Filé. Lazaroni aceitou, sonhando com a dupla de ataque da Copa América, Bebeto e Romário. Mas Bebeto também estava contundido, piorando ainda mais depois de uma dividida num treino com o goleiro Zé Carlos. Pra complicar, o técnico resolveu inovar, jogando com um líbero e dois alas. Mauro Galvão, que não era nenhum Baresi, não defendia. E os alas não apoiavam.
Resultado: no 3, 5, 2 de Lazaroni, ficou um buraco enorme entre o meio de campo e o ataque. Careca e Muller não conseguiam conversar com Alemão, Silas, Valdo e Dunga - nem por telefone. Os números não mentem. Na primeira fase, fizemos quatro gols em três jogos - 2 a 1 contra a Suécia e 1 a 0 contra a Costa Rica e a Escócia. O tropeço contra os argentinos seria inevitável.
A estranheza dos fotógrafos ao verem os jogadores do Brasil com a mão no peito, na Granja Comary, só não foi maior do que o susto que tirou tia Nonô dos eixos naquela mesma copa. A família, grudada na televisão, tremia nas bases acompanhando os magros resultados da equipe dirigida por Sebastião Lazaroni. E Tia Nonô gostava de acompanhar tudo. Dormindo. Aí veio uma falta contra o Brasil na entrada da área. Os jogadores se postaram na barreira da forma tradicional; ou seja - que me perdoem as amigas de tia Nonô -, com a mão no saco.
A família entrou em pânico. Os tios amaldiçoavam todas as gerações do técnico, do jogador faltoso, do juiz... As tias acordadas roíam as unhas. Os sobrinhos berravam. O jogador adversário então se preparou para bater a falta. Suspense. Com a algazarra, tia Nonô acordou, achando que o jogo ainda iria começar. Na tela, a imagem da barreira, em que os jogadores não estavam mais com a mão no peito, como na Granja Comary. Neste momento, tia Nonô, ainda zonza de sono, fez um desabafo que foi a síntese daquela copa dorminhoca: "O que é isso, gente! Isto é jeito de tirar fotografia! Que vergonha"!
A bola não entrou, contrariando tia Nonô, que achava que o Brasil deveria ser punido pelos maus modos. A seleção conseguiu passar por mais um adversário. Mas logo cairíamos diante da Argentina, quando Maradona achou Caniggia livre para estufar a rede brasileira. Era o fim da seleção canarinho, naquela tida como a pior das copas do mundo. O sonho do tetra só vingaria quatro anos depois, nos Estados Unidos. Nesta copa, aliás, avisada pelo inconsciente, Tia Nonô deixou de acordar na hora das faltas. Tudo para preservar a boa imagem da equipe nacional.
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