sexta-feira, 7 de junho de 2013

Amarelinha (parte 2)


Paulo Machado de Carvalho, idealizador da pretensa e ingênua desordem, era um advogado paulistano e empresário que enveredara pelo mundo da comunicação.  Em 1931, aos 30 anos, fundou a Rádio Record – onde participou da produção do primeiro jornal falado da rádio em companhia do jornalista e também empresário Assis Chateubriand -, a Associação das Emissoras de São Paulo, a Rádio Panemericana, depois Jovem Pan, e, três anos depois da chegada da televisão ao Brasil, em 1950, inaugurou a TV Record.
Enfim, aos 57 anos, Machado de Carvalho, já era um dos mais importantes empresários da área de comunicação do país. Quando se distanciava dos negócios das rádios e tevês, o cidadão Paulo Machado de Carvalho passava parte de seu tempo envolvido com o futebol, particularmente com o São Paulo, time no qual passou de torcedor  a presidente.
 Mas um fato em particular fez com que o prestígio do empresário-dirigente esportivo fosse às nuvens: o papel decisivo desempenhado por ele, em 1942, na contratação junto ao Flamengo de Leônidas da Silva, artilheiro da copa de 1938, na França, com sete gols.


Leônidas da Silva

Ter aberto as portas do São Paulo para o jogador não era pouca coisa. Depois do torneio da França, Leônidas ficaria conhecido como Diamante Negro, apelido até então apenas esboçado na imprensa brasileira mas que depois daquela copa ganharia fama internacional e passaria a acompanhar o craque carioca como se o nome Leônidas tivesse desaparecido na França e servisse apemas para assinar contratos com clubes e patrocinadores que vislumbraram no esporte uma promissora fonte de renda.

A área de propaganga logo sentiu o que aquele momento representava para o consumidor. A Companhia Sudan, sediada em Jundiaí, São Paulo -  maior fabricante de cigarros do Brasil na época -, teimou em lançar o cigarro Leônidas, produto que logo seria expulso do mercado de tabacos.
Outra empresa paulista, a Lacta, apostou no apelido e apresentou ao público em 1938 o tablete de chocolate Diamante Negro, guloseima que ficaria para sempre nas gôndolas de supermercados, bares e padarias - a Lacta, fundada em 1912 no bairro do Brooklin, em São Paulo, foi a primeira fábrica nacional especializada em chocolates finos a se instalar no país.
Leônidas era na época o jogador mais popular do Brasil. Para se ter a medida correta de como o futebol adquirira força naquele período em que São Paulo começava uma formidável reestruturação urbana para se converter numa metrópole moderna – passara de 200 mil habitantes em 1900 para um milhão em 1940 –, era costume a população se referir ao Brasil como o país que só tinha três ídolos: Getúlio Vargas, Orlando Silva e Leônidas .
O presidente Vargas, em 1937, passara a ser apresentado à população pela sua base política como o “pai dos pobres”. Orlando Silva era o “cantor das multidões”, como alardeavam os programas de auditório da Radio Nacional. E Leônidas era o craque negro que popularizou a “bicicleta” – jogada considerada a mais notável do futebol -, e o homem que Machado de Carvalho trouxera para o São Paulo pela maior soma de dinheiro até então relacionada aos negócios do futebol, 200 contos de réis.
Getúlio Vargas


A tranferência de Leônidas do Flamengo para o São Paulo, embora tenha sido marcante para Machado de Carvalho como dirigente de futebol,  teve um capítulo macabro para Leônidas, o que contribuiu para que ele não titubeasse diante da proposta de Machado de Carvalho, arrumasse as malas e se despedisse definitivamente das praias e campos cariocas.
O Brasil ainda guardava resquícios da richa entre defensores do amadorismo e profissionalismo no futebol – mercenarismo, segundo os opositores ao futebol profissional. E Leônidas fora o primeiro jogador brasileiro a encarar o profissionalismo sem constrangimento em exigir os seus direitos como integrante de um negócio que movimentava paixão e dinheiro.
Mesmo consagrado e no auge da fama, a cartolagem ainda torcia o nariz para aquele artista que encantava os brasileiros e se recusava a vestir a camisa do jogador submisso. A diretoria do Flamengo, particularmente o presidente do clube, Gustavo de Carvalho, “ajudou” a tirar o craque de campo por oito meses, em 1941,  para passar o tempo em uma prisão.
Motivo: ao rastrear a vida de Leônidas, a Justiça Militar descobriu, com auxílio da cartolagem, que ele tinha um certificado falso de reservista, fornecido pelo sargento Condoru. Só que o certificado era de primeira categoria, documento sem validade para alguém que era arrimo de família, caso do Diamante Negro. Condoru era um miliar especialista em certificados falsos.
No Centro de Recrutamento, Leônidas foi avisado por um capitão do exército que deveria alistar-se de novo e requerer um certificado de terceira categoria. Ele fez o que o capitão pediu, mas não se viu livre de um processo na Justiça Militar, o que coincidiu com o pico da crise com o Flamengo. O clube queria que ele entrasse em campo, mesmo mediante posições de médicos que garantiam que seu joelho estava comprometido e precisava ser operado com urgência.
A fúria dos dirigente flamenguistas, em tese, não influenciou na decisão da Justiça, que condenou o jogador a oito meses de cadeia. Mais: pelo contrato do jogador, ele não poderia dar entrevistas, o que favoreceu os dirigentes para que responsabilizassem o melhor jogador brasileiro por todos os males do time.
Os oito meses de  cadeia serviram de pausa para que o Diamante Negro amadurecesse a idéia de buscar campos mais amigáveis para jogar futebol. A temporada de prisão lhe troxe também algumas reagalias: como a notícia foi destaque em jornais e rádios, e os soldados e oficiais se viram parceiros de um dos homens mais famosos do Brasil, houve uma generosa frouxidão para que as folgas para o bate-bola  se estendessem no I Regimento de Vila Militar do Rio de Janeiro. 

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