Se naquele domingo de Carnaval algum touro estivesse presente no Estádio Universitário, na cidade do México, teria entrado em parafuso. No campo, diante de 100 mil pessoas, um sujeito meio esquisito, com a bola nos pés, corria perseguido por outro. De repente, o esquisito parava. O outro passava reto. Aí, ele ficava esperando o outro voltar. Então, fingia que ia, mas não ia. O outro caía. Depois ele saía como um louco. O outro ia atrás tentando pegar a bola. Só que o esquisito tinha deixado a bola lá atrás. E brecava. O outro se estrebuchava no chão. A cada movimento, a plateia gritava olé. Aquele olé, pensaria o touro, era uma farsa. Onde estava o touro? Onde estava o toureiro? Indiferente às reflexões do touro, a torcida gritou olé até o apito final.
Garrincha e Didi na Copa de 1958 |
O toureiro se chamava Mané Garrincha. O touro era o argentino Vairo. A arena era o Estádio Universitário. O jogo era entre Botafogo e River Plate, que aconteceu no dia 20 de fevereiro de 1958. E, indiferente às reflexões do touro, a torcida ficou enlouquecida com o baile de Garrincha em Vairo e trouxe, pela primeira vez na história, o grito de olé para um estádio de futebol, pouco se lixando para a indignação do touro.
Antes deste espetáculo, o Botafogo já ganhara fama internacional desde uma excursão vitoriosa à Europa em 55. Naquela excursão, aos 22 anos de idade, Garrincha já dava o ar de sua graça, fazendo estrepolias com seus marcadores. Um dos pontos altos daquela excursão, que contribuiu para plantar a fama do atacante brasileiro fora do Brasil, foi um jogo em Paris, contra o Reins.
Garrincha |
O time ganhava de 5 a 1 e o técnico Zezé Moreira, pensando no cansaço dos jogadores e na série de amistosos que teria pela frente, chamou o capitão Nilton Santos, cinco minutos antes do final da partida, e pediu para que ele passasse um recado para o time: já é hora de segurar a bola. Foi o que ele fez. Quando o recado chegou a Garrincha, ele achou que a conversa era só com ele. E começou a driblar todos os franceses que via pela frente, indo de uma área à outra. Ninguém mais viu a cor da bola, nem seus companheiros botafoguenses.
Se o seu próprio time estava achando aquela coisa meio maluca, embora fantástica, imaginem o time adversário que já estava desistindo de correr atrás do ponta! Mas a torcida adorou. O jogo terminou com a bola nos seus pés e com o estádio inteiro aplaudindo de pé o ponta de pernas tortas. Se não fossem franceses, o olé já poderia ter nascido ali.
No ano seguinte, deitando na fama, o Botafogo voltou à Europa e fez o mesmo estardalhaço ganhando quase todas as 22 partidas e com goleadas memoráveis. Em 1957, tendo agora João Saldanha como treinador e contrariando os prognósticos, o time enfiou 6 a 2 no Fluminense, na decisão do campeonato carioca.
Nesta partida, por sinal, Telê Santana, jogando pelo Flu, pediu para Didi conversar com Garrincha. Ele não precisava mais ficar humilhando os defensores Clóvis e Altair, já que o Botafogo estava com o título na mão. O ponta não entendia muito dessas coisas, ou fingia não entender, e continuou infernizando o time tricolor.
Quando o Botafogo partiu para a excursão pelas Américas, no Natal de 1957, o mundo do futebol já estava respirando o ar da Copa do Mundo, que aconteceria dali a seis meses na Suécia. Começando por São José da Costa Rica, em jogo contra o Saprisa – neste jogo teve o maior bafafá, com Saldanha encontrando desguarnecida a orelha não só do juiz como a do chefe da polícia local – a excursão só terminaria na cidade do México em fevereiro de 1958, quando aconteceu o tal jogo do olé.
O jogo contra o River Plate estava sendo aguardado com a maior ansiedade pela imprensa mexicana. O time argentino era tido como o melhor do mundo, juntamente com o Real Madrid. O River tinha 10 jogadores da seleção argentina e jogava por 10 mil dólares por partida. O Botafogo, valorizado, mas nem tanto, entrava em campo por míseros mil e quinhentos dólares, tendo como estrelas principais Nilton Santos, Didi e aquele jogador esquisito de pernas tortas que os companheiros chamavam de Garrincha.
O jogo, segundo João Saldanha, foi disputadíssimo e de muito respeito entre os jogadores. Mas seria apenas um jogo normal se não estivessem em campo Mané Garrincha e o lateral Vairo, titular da seleção da Argentina. Garrincha estava inspiradíssimo, assim como estavam os 100 mil mexicanos presentes ao estádio, que perceberam naquela sequência interminável de dribles um balé das touradas. Em determinado momento do jogo, o técnico argentino Minella, temendo pela saúde mental de seu lateral, pediu a substituição. Mas Vairo até que saiu conformado: “É. Não há nada o que fazer. Impossível”.
O jogo terminou 1 a 1, mas para a torcida o vitorioso era aquele sujeito de pernas tortas. Os torcedores invadiram o campo e deram a volta olímpica com Garrincha nas costas. Aquele domingo de carnaval em terras mexicanas foi um prenúncio do que estaria para acontecer na Suécia, quando o Brasil conquistaria sua primeira Copa do Mundo. Aquele jogo contra o River Plate ficou marcado pelo nascimento do olé no futebol, um olé que acompanharia Garrincha em três copas do mundo e muitas glórias. E o azarado argentino Vairo, por mais eficiente que fosse, acabou entrando de touro na história.
Nenhum comentário:
Postar um comentário