Um simples esbarrão

Leonardo Nascimento de Araújo, o Leonardo, nascido em Niterói em 1969, é um sujeito cuja biografia está cheia de letras maiúsculas para o olhar dos admiradores do futebol. Sua história contém também situações estranhas que destoam da figura pacata de Léo. Como a expulsão em uma Copa do Mundo, caso, para ele, mal-entendido; um esbarrão num juiz pelo campeonato francês, outro caso mal-entendido; e com um pedido de casamento feito ao vivo durante entrevista para uma tevê italiana, caso bem entendido.

Leonardo

Formado nas categorias de base do Flamengo, o atleta desenhou uma carreira rápida e certeira comandada com sua perna canhota, perna que costuma hipnotizar bola e adversários em campo.Leonardo estreou no time principal do Flamengo em 1987, aos 17 anos, e logo deu de cara com parceiros nascidos com a intolerância em visualizar derrapadas em campo, como Zico, Leandro e Andrade, comanheiros da primeira leva, e como Jorginho, Bebeto e Zinho, companheiros na segunda. Ele não derrapou. Nem podia.

O time da Gávea viu depois Leonardo voar no gramado. Então o menino foi para o mundo para provar que não era só uma promessa: São Paulo (três vezes), Valência, Paris Saint-Germain, Milan (duas vezes), Flamengo (mais uma vez), seleção brasileira etc. etc. etc.

Na Copa do Mundo de 1994, ainda no começo da carreira, começou o período de explicações, às vezes incompreensíveis, sobre as mensagens que invadiam a cabeça do craque em situações de desassosego. No campeonato dos Estados Unidos, por exemplo, Leonardo ganhou a vaga de titular da lateral-esquerda, deixou o experiente Branco no banco, e tudo corria como pedira aos céus.

Mas nas oitavas de final surgiu o primeiro mal-entendido do jogador, quando foi expulso após uma cotovelada em Tab Ramos, dos Estados Unidos. Leonardo garante que a jogada veio de um movimento natural para quem tenta proteger a bola. Ramos e o juiz discordaram da versão. Afinal, o atleta tinha abalroado a face do adversário. Depois a contusão foi consertada, mas deixou Ramos maluco da vida.

Leonardo é expulso depois de cotovelada

De qualquer forma, Léo acertou por tabela. Branco, seu substituto, foi o autor do magnífico gol de falta que garantiu a vitória do Brasil por três a dois contra a Holanda e levou o Brasil às semifinais. Assim, o tetracampeonato – conquistado após vitoria contra a Suécia e empate contra a Itália -, segundo algumas línguas, surgiu apenas da distração de um cotovelo que não sabia pra onde ir.

Depois de uma brilhante carreira de futebolista, em que o canhoto percorreu todos os campos do mundo, Leonatdo percebeu que a viagem estava chegando ao fim. Pensou no futuro e concluiu ser possível trabalhar do lado de fora do gramado.

A primeira oportunidade foi no Milan. Como dirigente, foi responsável pela contratação de Kaká, Pato e Thiago Silva. Depois foi técnico do clube milanês e, em seguida, treinador do arquirival Internazionale, time pelo qual foi campeão, o que acarretou alarmantes discussões entre os torcedores rivais italianos..

Andar por times em que já havia jogado fora uma boa fórmula para oferecer seu conhecimento de futebol, pelo raciocínio de Léo. E voltou para o Paris Saint-Germain para ser dirigente. Mas nem tudo foi amigável em terras francesas. A passagem como diretor esportivo do PSG teve fases delicadas.

Na nova equipe, agora sem chuteiras, participou de grandes jogadas como dirigente. A equipe francesa levava em conta também, pelo histórico do brasileiro, que ele poderia assumir a posição de técnico em caso de emergência, o que valorizava seu passe.

O PSG tinha ainda atenção especial para craques brasileiros, o que ajudava Leonardo na condição de diretor esportivo. Na memória dos franceses, sempre estavam presentes as imagens de Raí, Valdo, Ricardo e Ronadinho. E com o investimento de Nasser Al-Khelaïfi, empresário do Qatar, em 2011, o clube francês partiu para as compras. Léo, o brasileiro, participou de forma decisiva na contratação de Lucas, novato do São Paulo e da seleção brasileira.

Ronaldinho, brasileiro que passou pelo PSG

A jovem revelação, que resultou na a principal transação do futebol brasileiro, 110 milhões de reais, passou então a conviver com os brasileiros Alex, Maxwell, Thiago Mota, vindos de equipes européias no início de 1911, e Thiago Silva, contratado na temporada seguinte, junto com o sueco Zlatan Ibrahinovic e com o inglês David Backham. Lucas não acreditava no que estava acontecendo.

Neste ambiente colorido e endinheirado, é que Leonardo passou a se estranhar com alguns personagens que encontrou pela frente. Ibra foi um deles, mas foi um desentendimento leve. O pesado ficou para o juiz Alexandre Castro, que apitou o empate de 1a1 entre PSG e Valenciennes pelo campeonato francês, no dia cinco de maio deste ano.

A confusão ficou levemente rude depois que Castro expulsou o brasileiro Thiago Silva no primeiro tempo. Leonardo, ainda calmo, tentou falar com o árbitro durante o intervalo, mas Castro não quis conversa. O dirigente procurou novamente o árbitro no fim do jogo na entrada dos vestiários, com os nervos pouco descontrolados. Veio então o encontrão casual, nada mais do que um esbarrão, de acordo com Leonardo.

Para o juiz, que olhou para Leonardo de rabo de olho, um simples esbarrão seria incapaz de tamanho solavanco em sua coluna. A Federação de Futebol da França (FFF) entendeu que Barros sofrera uma espécie de arremesso à distância, e condenou Leonardo a uma suspensão de nove meses, que terminaria em fevereiro deste ano.

Mas antes do fim do calvário, o dirigente teve a pena aumentada pela comissão superior de apelação da FFF, e foi suspenso até 30 de junho de 2014. A comissão concluiu que, no encontro entre Leonardo e juiz, não houve apenas um esbarrão, de acordo com as novas imagens analisadas. E avisou: se houver reincidência, o PSG perderá pontos na classificação.

Leonardo, atordoado pela delação de uma câmera banal, tentou então uma última jogada para virar o jogo. Durante um programa ao vivo de TV da Itália, em março, quando respondia a perguntas durante o sorteio dos grupos da quarta de final da Copa dos Campeões da Europa, foi questionado se havia alguma pergunta a fazer para terminar o programa.

Leonardo não pensou duas vezes: só o amor daria um jeito naquele inferno astral. E surpreendeu a apresentadora Anna Billò, sua namorada, que estava no estúdio, com um lance audacioso: ”Anna, quer casar comigo?". Assim, o Leonardo quase pacato decidiu cuidar só do coração até julho de 2014.