quarta-feira, 24 de julho de 2013

O rádio entra em campo



O Brasil já jogava bem bola. E começava a eleger o drible como o astro da maneira de se jogar futebol por aqui, contrariando os manuais ingleses que ditaram a conduta em campo até os anos 1920. O drible não começava a imperar só entre as quatro linhas. O rádio no Brasil também teve que se valer da criatividade para entrar no mundo da bola, quando foi registrada a primeira transmissão ao vivo no futebol brasileiro. Nicolau Tuma, locutor da Rádio Educadora, que mais tarde ficaria conhecido como o Speaker Metralhadora, grifou com todas as tintas aquela data em seu calendário: 19 de julho de 1931.


Nicolau tuma



Naquele ano, o Brasil já vinha marcando suas novidades com a descoberta do primeiro campo petrolífero, em Lobato, na Bahia - ao mesmo tempo em que era autorizada a adição de álcool à gasolina para peitar a falta de divisas e o inglês passava a ser língua obrigatória na escola secundária, batendo ombros com o francês. Naquele ano, só a seca é que não foi novidade e mostrou a cara ao espalhar cadáveres pelo Nordeste.


Mas o rádio no Brasil estava preparando sua boa nova. O locutor Nicolau Tuma chegou ansioso ao campo da Chácara da Floresta, no bairro da Ponte Grande, em São Paulo, e carregava o trambolho exigido pela profissão: um pesadíssimo microfone a carvão, que volta e meia tinha de ser socado para fazer sumir o chiado. Tuma fora escalado pela emissora de Rádio Sociedade Educadora Paulista (fundada em 1923) para transmitir o jogo entre as seleções paulista e paranaense no Campeonato Brasileiro de Seleções.


O speaker, antes do jogo, foi ao vestiário conhecer os jogadores. Tuma, então com 20 anos, deve ter fincado bem os olhos naquela turma. Afinal, naquele tempo as camisas não tinham números. E a Rádio Educadora estava prestes a mostrar que era possível fazer transmissões ao vivo de futebol - embora tivesse que enfrentar a partir dali a resistência dos cartolas, que enxergaram no rádio um inimigo do público nos estádios, situação que mais tarde voltaria a se repetir com a televisão.


Mas os problemas de Nicolau Tuma não estavam apenas restritos à precariedade técnica. Era preciso ensinar também os ouvintes a acompanhar sua transmissão. Naquela partida, depois de comunicar ao público de que ele, Tuma, estava postado na área reservada à imprensa (na verdade, estava enfiado num espaço ao lado das gerais), o locutor orientou para que o ouvinte fantasiasse um retângulo em sua frente, ou uma caixa de fósforos como forma de visualizar o campo. "Do lado direito estão os paulistas e, do lado esquerdo, estão os paranaenses". Depois foi torcer para que seu público desse asas à imaginação.


A luta para fazer vingar o radiojornalismo esportivo não parou ali. Como não havia anunciantes, Tuma também não podia calar a boca para que o ouvinte não mudasse de estação. Mesmo quando ocorria uma falta ou a bola ia para fora, ele deitava falação, descrevendo a torcida, o jogador, o juiz, o tempo, o ‘microfonão’.


Além dos gols daquela partida, em que os paulistas venceram por 6 a 4, ficou famosa a narração de uma tabelinha entre dois jogadores de São Paulo: "Feitiço-Siriri; Siriri-Feitiço; Feitiço-Siriri; Siriri-Feitiço". A troca de passes terminaria com o gol de Siriri. O ouvinte foi à loucura. A missão do exausto Nicolau Tuma estava cumprida, apesar do microfone a carvão. Acabava de nascer ali o Speaker Metralhadora.



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