sexta-feira, 19 de julho de 2013

Questão de vida ou morte na Copa



No tempo em que cá na terra drible se chamava salame, o Brasil entrou no navio para participar da primeira Copa do Mundo no Uruguai, em 1930. Naquele ano o Uruguai comemorava o centenário de sua independência e tudo era festa. Para receber as 13 seleções participantes, os platinos ergueram o Estádio Centenário, com capacidade para 100 mil pessoas. Montevidéu estava toda animada por sediar a Copa do Mundo, inclusive alguns larápios, que levaram tudo que havia nas bilheterias do Centenário no dia da inauguração.



Jogo entre Brasil e Iugoslávia




A realização do primeiro mundial de futebol foi um deus nos acuda. A Fifa surgiu em 1904, formada somente por países europeus. No ano seguinte, a entidade estabeleceu o período de inscrições para a primeira Copa. Só que ninguém se inscreveu, para desespero dos organizadores. A maioria dos países estava mais preocupada com as Olimpíadas, cujo vencedor em cada modalidade era tido como o melhor do mundo. Por quê mais?


Mas a FIFA queria mais. E teve que esperar o fim da Primeira Grande Guerra pra voltar a falar no assunto. Papo vem, papo vai, e os integrantes da entidade elegem o seu primeiro conselho, em 1920. Interessante é que a eleição se deu por carta, via correio, com Jules Rimet sendo eleito presidente.



Preguinho



Como o Uruguai havia conquistado a medalha de ouro no futebol nas Olimpíadas de 24 e 28, decidiu-se que o país abrigaria a primeira Copa do Mundo. Problemas: o mundo vivia uma crise econômica gravíssima, com desemprego que não acabava mais; o Uruguai ainda não tinha o seu estádio; e a viagem de navio da Europa para a América do Sul demorava 15 dias, o que fez com que Jules Rimet saísse caçando as federações europeias. A caçada não foi das melhores, e só quatro equipes do Velho Continente resolveram participar da competição: França, Iugoslávia, Romênia e Bélgica.

Belgas, romenos e franceses vieram no mesmo navio, o "Conde Verde". O treinamento foi meio chinfrim. Muita comida, muita bebida e muito trabalho para o gandula mergulhador na hora do bate-bola. Com os iugoslavos, a preparação foi ainda pior. Eles viajaram no "Flórida", um transatlântico de turismo cujo único espaço para praticar esporte era a mesa de baralho. De qualquer forma, depois de 15 dias no mar, chegaram a Montevidéu os balofos jogadores europeus.


A América do Sul esteve quase toda presente, e a América do Norte foi representada pelo México e Estados Unidos, que tinha a equipe reforçada por escoceses naturalizados. Enquanto as seleções iam chegando, os uruguaios iam trabalhavam como loucos para concluir o Estádio Centenário. Apesar do esforço, os engenheiros não puseram a mão no fogo para a abertura do mundial. O cimento ainda estava fresco. E os primeiros jogos foram realizados nos campos do Nacional e do Peñarol.



Bola usada na decisão da Copa



A seleção brasileira foi montada aos sopapos. Paulistas e cariocas, pra variar, não se entendiam, e os jogadores de São Paulo, entre eles os craques Friedenreich e Feitiço, ficaram no cais a ver o navio partir para Montevidéu. A bordo, o único paulista era o ex-santista Arakem Patusca, que estava sem clube e resolveu entrar naquela canoa furada. Com aquele time, nem o Cristo Redentor, que fora fundido em 1930 no Rio de Janeiro, seria capaz de dar uma mãozinha.

O Brasil estava no Grupo 2, junto com Iugoslávia e Bolívia. Embora tivessem ficado 15 dias de papo pro ar no transatlântico "Flórida", os Iugoslavos bateram o Brasil por 2 a 1 na estreia. Depois o Brasil ganharia por 4 a 0 da Bolívia. Mas aí já era tarde. A Iugoslávia também goleou os bolivianos e se classificou para a fase seguinte. O artilheiro do Brasil, com três gols, foi Preguinho, filho do escritor Coelho Neto.

França, México, Argentina e Chile estavam no Grupo 1. A disputa pela classificação ficou entre Argentina e França. Neste jogo, apitado pelo brasileiro Almeida Rego, a torcida uruguaia só faltou entrar em campo para fazer o gol pelos franceses, que perdiam por 1 a 0. No final acabaram entrando mesmo, quando Rego deu uma mancada e apitou o final do jogo seis minutos antes do tempo. Depois de muito bafafá, a polícia fez a torcida retomar seu lugar nas arquibancadas para o reinício do jogo. Mas não tinha mais jeito. Os argentinos estavam na semifinal.


No Grupo 4, estavam Bélgica, Estados Unidos e Paraguai. Uma barbada para os americanos. O grupo do Uruguai incluía ainda Peru e Romênia. Aliás, foi na inauguração do Centenário, no jogo entre Uruguai e Peru, que os tais dos larápios limparam as bilheterias do estádio. O Uruguai ganhou de 1 a 0, passou pela Romênia e continuou na competição. Nas semifinais, jogaram Argentina contra Estados Unidos e Uruguai contra Iugoslávia. Os dois países da América do Sul levaram a melhor, vencendo seus jogos por 6 a 1. Agora que viesse a decisão, que ficou conhecida como a "Batalha do Rio da Plata".



Estádio Centenário


Até que o cantor de tango Carlos Gardel tentou amenizar as coisas. Na véspera da final, visitou o time da Argentina, país onde morava, e o time do Uruguai, terra de sua mãe. Mas não havia tango capaz de amolecer a gana dos jogadores. Ainda mais depois que o uruguaio Héctor "Manco" Castro (ele não tinha uma das mãos) recebeu um telefonema anônimo que lhe dava duas alternativas: 50 mil pesos pela derrota uruguaia e a morte pela derrota argentina.


Como não poderia deixar de ser, 30 mil argentinos invadiram Montevidéu no dia da decisão. Como também não poderia deixar de ser, os uruguaios limitaram a cota argentina a 10 mil bilhetes. Os outros 20 mil que ficassem de fora. O juiz belga John Langenus, percebendo o espírito pacífico dos atletas e da torcida, tomou logo suas providências: proteção de 100 policiais no Centenário, seguro de vida e uma conversa franca com o comandante do navio para que atrasasse a saída até o momento de ele subir a bordo.

Logo de cara, na partida decisiva, o senhor Longenus teve que resolver um impasse: o jogo seria com a bola uruguaia ou com a bola argentina? Já sabendo do sangue quente dos latinos, o juiz ficou no muro: meio tempo com cada bola. O primeiro tempo terminou 2 a 1 para a Argentina. No Centenário não se escutava uma mosca. No segundo tempo veio a virada, com o Uruguai fazendo 4 a 2, o último dos gols feito por Héctor "Manco" Castro, que comemorou escutando a torcida de um lado e o sinal do telefone do outro.

Mas tudo terminou em paz. Ninguém morreu, o juiz belga escapuliu como um foguete para o navio e os uruguaios fizeram a festa. No Brasil, o consolo ficou com Carmen Miranda, que, naquele ano de 1930, gravou uma música como que por encomenda para a seleção brasileira: "Taí/ Eu fiz tudo pra você gostar de mim./ Oh, meu bem, não faz assim comigo não"...











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