O técnico Telê Santana iria berrar como o mais escandaloso dos trovões para afugentar a crise do São Paulo. O técnico era um perfeccionista que não suportaria um Morumbi marcado pelo desleixo, pela incapacidade de arrancar com as mãos uma grama amarelada do campo, como ele fazia todos os dias em que estava no estádio do tricolor paulista. Era um ritual que indicava o alcance dos cuidados daquele mineiro inimigo de desperdícios, fosse com dinheiro, talento ou no manejo do gramado onde pisava um time treinado para vencer.
Telê Santana |
Sim, o mineiro de Itabirito foi um homem nascido pra vencer, vencer assim que armasse um time bom. Não para ganhar uma partida de qualquer jeito, como se, ao se preparar um pão de queijo, fosse possível a intromissão de mãos distraídas para fazer o trabalho. Ele queria uma bela partida, a princípio. Se seu time fosse o vencedor, Telê Santana teria construído um capítulo perfeito. Depois era só batalhar pela sequência da história.
Nem sempre foi assim, é claro. Todo perfeccionista tem que admitir embaraços no caminho. Ao mostrar competência como treinador de clubes, foi contratado pela CBF, em 1980, para treinar a seleção brasileira. Na Copa de 1982, na Espanha, montou uma equipe formidável. A primeira parte da equação do mineiro, a de escolher os melhores jogadores, estava pronta.
Mas o tropeço veio por acaso, na derrota para a Itália por 3 a 2, nas quartas de final, num dia de fúria de Paolo Rossi, autor de três gols dos italianos. Foi um desagrado para quem gosta do belo futebol, como Telê, tamanha era a superioridade da seleção brasileira comandada por Zico, Sócrates e Falcão.
Telê voltou à seleção na Copa seguinte, no México. Estavam ali remanescentes da seleção de 1982 e algumas boas promessas, como Renato Gaúcho, ponta-direita do Grêmio. Mas o atacante esbarrou no pavio curto de Telê quando chegou tarde à concentração. Foi dispensado. De quebra, o lateral Leandro, melhor amigo de Renato Gaúcho, voltou pra casa em solidariedade ao gremista. Resultado: o Brasil ficou em quinto lugar, como na Copa anterior, e Telê passou a ser considerado o pé-frio do futebol brasileiro.
O pé-frio chegou ao São Paulo em 1990, depois de passagens pelo Flamengo, Palmeiras, Atlético Mineiro, Grêmio e até o futebol árabe, depois da Copa de 82. Ou seja, o técnico seguiu viagem atrás do bom futebol. E Telê queria porque queria ganhar um título por um clube paulista.
O técnico foi para o elegante tricolor paulista em tempos de crise, o que fez com que aceitasse abrir mão do hotel e ficar morando no centro de treinamento do clube. Em último caso, teria como tirar gramas comprometidas do gramado do maior estádio particular do país e olhar de perto o que se passava no coração da equipe.
Observar com atenção para a intimidade dos clubes já acontecera no Fluminense, onde abriu as carreiras de atleta e treinador. Foi naquele momento que teve as primeiras trombadas com a diretoria de um clube e mostrou também ser capaz de arrancar com as unhas a soberba de cartolas que se fizessem de pedras no caminho.
No Fluminense treinado pelo iniciante treinador, Telê se viu em um clube que fechava as portas para jogadores negros e pobres, como acontecia na época com outros clubes brasileiros dirigidos por uma elite que enxergava o esporte popularizado pelos ingleses como exclusivo de atletas brancos.
Foi quando passou a circular a notícia, não se sabe se verídica ou lenda alimentada pela personalidade de Telê, de que teria se revoltado com a diretoria ao descorir que os jogadores eram obrigados a entrar e sair do clube pela porta dos fundos. Mesmo sendo técnico, teria então, na condição de ex-jogador, se recusado a passar pela entrada social, como relatado no livro Fio da Esperança – biografia de Telê Santana, de André Ribeiro.
Passados mais de 50 anos do episódio do Fluminense, Telê Santana, no São Paulo, deu conta de descartar a fama de pé-frio. À frente do time do São Paulo, o técnico mineiro conquistou o que foi possível no início da década de 1990. Ganhou um total de onze títulos, incluindo um Campeonato Brasileiro, duas Libertadores da América e dois Campeonatos Mundiais. No São Paulo, o técnico teimoso se tornou o "Mestre Telê’.
Mas antes de pendurar as chuteiras, ele continuava reclamão com os árbitros, com os cartolas, com a violência e rumos do futebol brasileiro. Telê Santana faleceu no dia 21 de abril de 2006, em Belo Horizonte, aos 74 anos. Não teve assim tempo de gritar para tentar reverter a atual crise do São Paulo e aquelas que teimam emporcalhar os bastidores do futebol brasileiro. Mas os trovões falaram por ele.
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