Por pouco o time inteiro não ficou preso na alfândega por excesso de peso. Não das bagagens. Mas dos próprios atletas, que durante 15 dias beberam e comeram a bordo do navio Arlanza. Foi a primeira concentração em restaurante que se tem notícia. Destino: França, com o simples propósito de disputar a terceira Copa do Mundo, em 1938. Para se ter uma idéia da comilança, o centroavante Romeu saiu do Brasil pesando 70 quilos e quando pisou em terra firme estava com 79. Ele era a própria bola.
Romeu, centroavante do Palmeiras |
Na Copa da França, as coisas estavam um pouco mais organizadas no futebol brasileiro. Nada de fenomenal, mas pelo menos levamos o que havia de melhor em nossos campos. Nas duas copas anteriores, vigoraram as divididas entre a CBD e as demais federações estaduais, o que fez com que praticamente só cariocas entrassem em campo. Na Copa anterior, por exemplo, cinco craques paulistas do Palestra Itália ficaram escondidos dos cartolas da CBD, primeiro em uma fazenda em Matão, depois numa casa na Praia Grande. Entre eles estava Romeu, o comilão de 38.
Ao contrário do Brasil, a Itália já valorizava a bola como poucos. Principalmente para fins políticos. Um regime forte tem atletas fortes. Com este lema, o ditador fascista Benito Mussolini fazia o diabo nas copas do mundo. Como mandar seus comandantes à cata de craques em todos os cantos do mundo, desde que filhos de italianos. Em 1934, dois brasileiros defenderam a Azurra: Filó e De Maria. E tiveram que fazer a saudação fascista para a torcida, como a seleção italiana fazia em todos os jogos.
Seleção brasileira de 1938 |
Quando começou a Copa da França, Romeu – que surgiu no Barranco Futebol Clube de Jundiaí e depois se transferiu para o Palestra Itália –, depois de rolar do navio, já estava mais fininho. Não estava nenhum bailarino espanhol. Mas já dava para jogar. Jogar e dar pancada, como no segundo jogo, contra a Tchecoslováquia, pelas quartas de final.
O primeiro jogo foi contra o bom time da Polônia. Debaixo de um incrível toró, os dois times empataram em 4 a 4 no tempo normal. Na prorrogação, o Brasil fez 6 a 5, com quatro gols de Leônidas, um de Perácio e um de Romeu, que já devia estar morrendo de saudades do navio Arlanza. Leônidas aliás, fez de tudo para jogar descalço neste jogo. A lama fez das chuteiras uns paralelepípedos. Mas Leônidas foi incompreendido pelo juiz sueco Eckling. Mesmo assim, em um dos gols, ele fez sem a chuteira, que estava sendo consertada.
Leônidas da Silva |
O segundo jogo foi contra a Tchecoslováquia. Os tchecos vinham com tudo, embalados pela condição de vice-campeões na copa anterior. Diante de 25 mil pessoas, os dois times empataram em 1 a 1 nos 90 minutos e na prorrogação. Mas o maior placar foi registrado pelo departamento médico, que apontou nove contusões para os brasileiros contra oito dos tchecos, com dois deles indo parar no hospital.
Dois dias depois, novo jogo com o que restou dos dois times. O Brasil ganhou de 2 a 1 e foi para a semifinal contra a Itália de Mussolini, único time que tinha um avião exclusivo para viajar pela França. O Brasil entrou sem Leônidas, o artilheiro da Copa, com oito gols. Uns dizem que foi por causa da contusão contra os tchecos, outros dizem que por frescura do técnico Ademar Pimenta, que queria guardar o Diamante Negro para a decisão.
O fato é que perdemos por 2 a 1. Um gol foi de um pênalti meio esquisito, quando Domingos da Guia meteu a raquete na orelha do italiano Piola, com a bola já no ataque brasileiro. O gol do Brasil foi de Romeu, àquela altura em pazes com a balança.
Os italianos sabiam que o Brasil era a pedra no caminho. Não foi à toa que o autor do segundo gol contra o Brasil virou herói e deu o nome ao estádio do Milan: Giuseppe Meazza. A Suécia foi uma baba para os italianos, que venceram por 5 a 1 conquistando o bi. O Brasil meteu 4 a 2 nos suecos, classificando-se em terceiro lugar e ganhando respeito no mundo do futebol, que ficou sem a Copa do Mundo durante 12 anos por causa da Segunda Guerra Mundial. Uma guerra que vinha sendo anunciada pela saudação fascista dos italianos nos campos franceses.
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