segunda-feira, 16 de setembro de 2013

Inglaterra descobre o Brasil



A primeira seleção brasileira vai entrar em campo. Estamos em 1914. O Brasil já estava bem animadinho naquele ano, principalmente depois que a mulher do presidente da República, Nair de Teffé, chutou o balde num baile do Catete, Rio de Janeiro, ao tocar no violão o maxixe “Corta Jaca” , de Chiquinha Gonzaga: “ Ai! Ai! que bom cortar a jaca / Ai! Sim! meu bem me ataca / Sem descansar”.


Artur Fiedenreich

O ambiente estava propício para o bate-bola no campo do Fluminense contra os ingleses do Exeter City. Pela primeira vez paulistas e cariocas formavam uma seleção brasileira. E muitos jogadores estavam dispostos a imitar a primeira dama e chutar o balde da escola inglesa de futebol, toda metida a besta.

Os inventores do futebol entraram em campo causando suspiros nas moças com sombrinhas estampadas, que enfeitavam a parte da arquibancada reservada à torcida do fluminense. Os rapazes, debaixo dos chapéus de palhinha, tomando vermute e fumando charuto, espumavam inveja e admiração pelos grandalhões que vieram de longe.

Naquele clima, não havia como os brasileiros estufarem o peito para pisar o gramado. Pisamos com a timidez inevitável e fomos escutar o que o juiz Harry Robinson tinha a dizer antes do início da partida. O pior é que Mr. Robinson, com seu chapéu de aba larga, era mais um inglês, só que radicado no Brasil. Feitas as recomendações de praxe, começa o jogo.


Seleção brasileira em 1914
Entre os brasileiros que entraram em campo naquele 14 de julho de 1914, estava um paulistano, filho de um alemão com uma negra, de nome Artur Friedenreich. Depois de um momento inicial de terror, os brasileiros se soltaram e os ingleses passaram a ficar de olho naquele mulato de olhos verdes que dava uns dribles que eles nunca tinham visto na vida.

Os jogadores do Exeter City não só ficaram de olho como passaram a se valer da jogada preferida da escola inglesa, a marreta, uma ombrada violenta para tirar o adversário de cena. O time brasileiro não se intimidou com as tais das marretas e meteu 2 a 0, gols de Osvaldo Gomes e Osman Medeiros. Para as moçoilas presentes, os heróis agora não tinham mais dois metros de altura e se chamavam Píndaro, Lagreca, Rubens Sales, Formiga e Fried.

Para os ingleses, aquele jeito de jogar não estava certo, aquela coisa de fingir que vai mas não vai, aquelas embaixadas, aqueles dribles. Alguma coisa devia estar errada. Foi então que quatro jogadores ingleses, alegando contusão, começaram a sair de mansinho do gramado. Rubens Sales, o capitão, percebendo a mutreta, chamou Mr. Robinson na chincha, já que com sete jogadores a partida não poderia continuar.


Exeter City
Falando em nome da comunidade britânica, Harry Robinson conversou com os quatro fugitivos e os convenceu que aquela pipocada não ia pegar bem. O que se viu depois foi uma seqüência interminável de marretas e pontapés. Um jornal descreveu a atuação de Friedenreich, conhecido como El Tigre, da seguinte maneira: “ Incrível o que se viu na tarde de ontem, meus amigos! El Tigre, El Namorado de La América, com gingas espetaculares, driblou oito inimigos da Pátria. Embaixo dos paus, não quis fazer o gol, voltando até o meio do campo. Os inimigos arrancaram-lhe, de puro ódio, doze dentes da boca”.

A notícia dos doze dentes foi um exagero do jornal. Na verdade foram dois. Mas Fried, mesmo banguela, escancarou o sorriso depois daquele dia memorável, que abriu a alma do brasileiro para que ele fizesse o seu jogo. Fried, além de ser o fundador do estilo brasileiro de futebol, foi o maior artilheiro da história do futebol mundial, com 1329 gols em 26 anos de carreira. O centroavante jogou pelo Germânia, Mackenzie, Ypiranga, Paulistano ( extintos ) e São Paulo. Conquistou 7 títulos paulistas, foi artilheiro paulista 9 vezes, bicampeão sul-americano em 1919 e 22, e jogou 22 partidas pela seleção brasileira. Artur Friedenreich encerrou a carreira em 1935, aos 43 anos, fazendo jogos-exibição pelo Flamengo.



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