Futebol brasileiro perde brilho e corre para retomar a magia
Capítulo 1 - Seleção derrota o “complexo de vira-latas”
Resumo do texto anterior
A seleção brasileira arquitetava uma formação para superar as oitavas de final da Copa da Suécia. Quem deu as cartas nos dois primeiros jogos, contra a Áustrria e Inglaterra - vitória por 3 a 0 e empate por 0 a 0 -, fora Ernesto Santos, o observador da seleção brasileira que acompanhara na Europa as eliminatórias para a Copa de 1958. E Garrincha, pela avaliação de Santos, ficou fora naqueles jogos - cautela no jogo de estreia contra a Áustria e temor de que Slater, o violento lateral-esquerdo da Inglaterra, quebrasse o ponta do Botafogo já na fase de aquecimento do jogo. Pelé, por contusão, também não tinha entrado no jogo ainda. Mas agora era o momento de definição dos dois classificados do grupo para as quartas de final.
Didi, o maestro da seleção brasileira |
Três minutos alucinantes
A seleção brasileira se preparava para o terceiro jogo na Copa da Suécia, em 1958, em partida contra a União Soviética a ser realizada na cidade de Gotemburgo. O jogo decidiria quais seriam as duas seleções classificadas no “grupo de ferro”, considerado o mais difícil da Copa – Inglaterra, URSS, Brasil e Áustria. E a seleção brasileira carregava nas costas um dilema que, para alguns observadores do futebol – em particular para aqueles que estavam à frente da comissão técnica -, era de um tamanho descomunal: Pelé e Garrincha, enfim, entrariam na Copa?
Quanto a Pelé, o garotão de 17 anos que sofrera uma contusão grave em um amistoso de preparação da seleção, quando a delegação ainda estava no Brasil e havia enfrentado o Corinthians no Pacaembu, a resposta estava mais na cabeça do médico Hilton Gosling. Fora ele que apostara na recuperação de Pelé para atuar ainda no começo da competição. O técnico Feola e os demais membros da comissão técnica só podiam ficar sonhando com a presença do o atacante do Santos na equipe.
Feola: novidades no time |
Na sequência, o adversário foi o time da Inglaterra. Pelé ainda não fora liberado por Gosling. E Ernesto Santos, observador da delegação brasileira que acompanhara na Europa os jogos dos adversários do Brasil na fase classificatória, fez um alerta para a comissão técnica: Slater, o violento lateral-esquerdo do time inglês, quebraria Garrincha assim que deixasse de ficar hipnotizado com as pernas tortas do ponta do Botafogo. Solução: Joel entrou em campo no 0 a 0 contra os ingleses.
O “futebol científico” da União Soviética chegou à Copa da Suécia com a fama de assustar quem se atrevesse a enfrentar um jogo conduzido por atletas com fôlego de leão. A seleção da Inglaterra foi a primeira a dar de cara com o fantasma. Mas o susto não foi tão grande. Iashin, o famoso goleiro da União Soviética, tomou dois gols e teve que se contentar com o empate de 2 a 2. A Áustria, sim, tomou um sustinho e perdeu por 2 a 0.
Garrincha |
O jogo entre Brasil e União Soviética definiria, em tese, os dois classificados do grupo. Em tese, porque no outro jogo, a grande Inglaterra enfrentaria a Áustria, então descabelada depois da derrota para o Brasil e União Soviética. E o Brasil ficou então brincando de esconde-esconde com o adversário de pulmões de aço sobre a escalação do time: Pelé e Garrincha iriam pro jogo?
Se dependesse da imprensa brasileira, os dois jogadores já estavam escalados. Se dependesse da comissão técnica, nem tanto. Na véspera do jogo, os jornalistas brasileiros e estrangeiros receberam a informação de que o coletivo final aconteceria no período da tarde. Só que no meio da manhã, Paulo Amaral chamou a turma toda para o saguão do hotel. O coletivo fora antecipado, e todos os jogadores deveriam seguir para o ônibus. O treino aconteceria num campinho perto do hotel.
Ninguém sabia da mudança. De qualquer forma, no caso de algum jornalista ou observador do time russo aparecer por ali, Feola tinha um certo time titular. No caso de o esquema do coletivo secreto ter dado certo, o time seria outro. Sem olhos estranhos no gramado, Feola pôs o “outro” time em campo. E naquele time, Garrincha estava no lugar de Joel, Vavá no lugar de Mazzola e Pelé no lugar de Dida. Estratégia: surpreender a equipe da União Soviética com ataques logo de cara.
Garrincha e Pelé |
Ruy Castro escolheu para descrever o início do jogo, em seu livro Estrela Solitária – Um brasileiro chamado Garrincha, a reportagem de Ney Bianchi na Manchete Esportiva, em que o repórter cita o juiz francês Maurice Frederic Guigue na abertura do texto.
“Monsierur Guigue, gerdarme nas horas vagas, ordena o começo da partida. Didi centra rápido para a direita: 15 segundos de jogo. Garrincha escora a bola com o peito do pé: 20 segundos. Kuznetzov parte sobre ele. Garrincha faz que vai para a esquerda, não vai, sai pela direita. Kuznetzov cai e fica sendo o primeiro João da Copa do Mundo: 25 segundos. Garrincha dá outro drible em Kuznetzov: 27 segundos. Mais outro: 30 segundos. Outro. Todo o estádio levanta-se. Kuznetzov está sentado, espantado: 32 segundos. Garrincha parte para a linha de fundo. Kuznetzov arremete outra vez, agora ajudado por Voinov e Krijveski: 34 segundos. Garrincha faz assim com a perna. Puxa a bola pra cá, pra lá e sai de novo pela direita. Os três russos estão esparramados na grama, Voinov com o assento empinado para o céu. O estádio estoura de riso: 38 segundos. Garrincha chuta violentamente, cruzado, sem ângulo. A bola explode no poste esquerdo da baliza de Iashin e sai pela linha de fundo: 40 segundos. A plateia delira. Garrincha volta para o meio de campo, sempre desengonçado. Agora é aplaudido.
“A torcida fica de pé outra vez. Garrincha avança com a bola. João Kuznetzov cai novamente. Didi pede a bola: 45 segundos. Chuta de curva, com a parte de dentro do pé. A bola faz a volta ao lado de Igor Netto e cai nos pé de Pelé. Pelé dá a Vavá: 48 segundos. Vavá a Didi, a Garrincha, outra vez a Pelé, Pelé chuta, a bola bate no travessão e sobe: 55 segundos. O ritmo do time é alucinante. É a cadência de Garrincha. Iashin tem a camisa empapada de suor, como se já jogasse há várias horas. A avalanche continua. Segundo após segundo. Garrincha dizima os russos. A histeria domina o estádio. E a explosão vem com o gol de Vavá exatamente aos três minutos.”
A reportagem de Bianchi, também em ritmo alucinante, fez a torcida brasileira se espantar com aquele time que partiu para a Suécia com crédito de vendedor de bilhete premiado para velhinhas. O Brasil voltaria a fazer outro gol com Vavá, aos 31 minutos do segundo tempo, resultado miúdo perto do tamanho do espetáculo, mas suficiente para levar a seleção brasileira para as quartas de final juntamente com a União Soviética – caminho que, em tese, deveria ser traçado pela Inglaterra, não fosse o empate com o “timinho” da Áustria em 2 a 2 e a derrota por 1 a 0 em jogo de desempate contra a União Soviética na briga pelo segundo lugar no grupo.
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