sexta-feira, 22 de novembro de 2013

Amarelinha(19) Sorriso ganha jogo

 

Futebol brasileiro perde brilho e corre para retomar a magia

 

Capítulo 1 - Seleção derrota o “complexo de vira-latas”

 

Didi

Julinho e Garrincha antes da Copa de 1958


Resumo do texto anterior

Depois de vencer a seleção do País de Gales nas quartas de final em Gotemburgo, o Brasil partiu para Estocolmo, capital da Suécia. Lá, no estádio de Solna-Rasunda, o “complexo de vira-lata” deu um sossego para os jogadores brasileiros. Para a comissão técnica, porém, o medo do perigo ainda estava aceso, à espera de uma bobeada para adormecer a gana dos atletas na competição.
A seleção francesa vivia emoção oposta. Era a equipe que detinha a artilharia da competição com 15 gols e contava com Fontaine, o artilheiro do torneio com oito gols. Mas a seleção brasileira optou por partir pra cima assim que a bola rolasse. Deu certo.
O Brasil iniciou o jogo com 1 a 0. Os franceses deram a resposta em seguida: 1 a 1 e um sufoco para fazer derreter os radinhos de pilha da torcida brasileira. Mas o time brasileiro viveu apenas uma tremedeira de curta duração e venceu o jogo por 5 a 2. O Brasil estava na final da Copa de 1958 para enfrentar a seleção da Suécia.

Didi acalma a bola

O bom sinal registrado na vitória contra os franceses por 5 a 2, resultado que colocou a seleção brasileira na final da Copa da Suécia de 1958, foi o sorriso que se mostrou na cara dos jogadores. Não era um sorriso trêmulo, tímido, como de quem está satisfeito por ter chegado até ali e queria logo ir embora pra casa e se enfiar debaixo da cama até o pesadelo passar.

Nada disso. O time estava mais acordado do que nunca e queria aparecer grandioso no final do filme. Se pudessem treinar mais um pouco no vestiário, após 90 minutos de jogo e outros tantos na preparação, os atletas não pensariam duas vezes. Afinal, a seleção estava no final de uma Copa do Mundo pela segunda vez, só que agora não estava cercada de cartolas e políticos interessados em tirar uma casquinha de uma possível vitória, como já acontecera na decisão nas Copas de 1950 no Brasil e de 1954 na Suíça.

Um fato corriqueiro nos torneios em que o Brasil participava dera sinais de que os tempos tinham mudado para a seleção brasileira. Na véspera da decisão, o técnico Feola chegou à concentração para acompanhar a entrevista dos jogadores com a imprensa. E o técnico ficou assustado com a quantidade de microfones sobre a mesa, mensagem de encrenca no ar.


Vicente Feola

Quando o técnico ficou sabendo por um dos radialistas de que a intenção era colocar os jogadores para falar com seus familiares no Brasil naquele momento que o time poderia visitar o céu ou o inferno, o então pacato Feola jogou farofa no ventilador, fazendo com que as engenhocas fossem todas ao chão. Com a raiva avermelhando seu rosto gorducho, justificou o destempero.

“Não vão, não. Isso aqui não é 1954!”, descreveu Ruy Castro no livro Estrela Solitária. Feola se referia à Copa da Suíça, quando João Lyra Filho, chefe da delegação, promovera espetáculo semelhante antes do jogo em que o Brasil perdeu por 4 a 2 para a Hungria nas quartas de final.

Naquela Copa, o time mostrou para o público a camisa que passaria a vestir dali em diante, a “camisa canarinho” -segundo expressão do radialista Geraldo José de Almeida-, uniforme com o qual agora o Brasil desfilava pelos gramados suecos.


Garrincha brinca com crianças

Outra passagem na manhã da grande decisão demonstrou o ambiente da seleção brasileira antes que o juiz francês Maurice Guigue apitasse o começo da partida. Andando pelo hotel e com o crânio borbulhando pela expectativa de entrar no estádio alourado de suecos, Garrincha resolveu entrar no quarto do psicólogo João Carvalhaes, o sujeito que havia reprovado quase todos os titulares que no dia seguinte estariam na partida contra os suecos, inclusive Garrincha. O ponta depois expôs para o jornalista Teixeira Heizer como tinha sido a conversa:

“O professor estava fazendo testes em seu quarto. Fui lá. O homem era uma pilha de nervos. Permaneci meia hora com ele. Ficou mais calmo”.

A definição do jogo guardou duas situações que dariam forma final ao espetáculo. Um deles dizia respeito à formação da equipe brasileira. Dois dias antes do jogo final, Feola chamara Djalma Santos, que fora titular na Suíça, e De Sordi, lateral-direito até então. Aviso: Djalma Santos seria o titular da final. De Sordi havia dito ao médico Hilton Gosling que sofrera um leve estiramento na coxa direita contra a França e temia não aguentar o jogo inteiro.

Djalma Santos

Djalma Santos explicou a situação ao jornalista Milton Leite: “A conversa entre nós foi importante porque ele atuou na Copa toda e eu iria entrar no jogo mais importante, o da fotografia”. Outra versão passeou pelo grupo: o leve estiramento se chamava nervos à flor da pele, notícia que seria passada ao técnico.

O segundo episódio que balançara um pouco o espírito da equipe se referia ao uniforme com que a seleção entraria na decisão. Brasil e Suécia usavam a camisa amarela, o que não poderia acontecer em um confronto entre as equipes. Resultado: sorteio para decidir pra que time iria o amarelo.

A vitória da Suécia na primeira parcial extracampo seria insignificante se não houvesse a superstição entre parte do grupo, principalmente Paulo Machado de Carvalho, de que o amarelo tinha ajudado a seleção brilhar até então, e se a delegação houvesse previsto que a camisa amarela estaria fora da final. As alternativas eram o verde, o azul ou o branco. O branco, a princípio, nem pensar, como diziam as derrotas em Copas anteriores em que o Brasil entrara de branco.


Paulo Machado de Carvalho e Pelé

Paulo Machado de Carvalho se decidiu então pelo azul. Para sustentar a palavra final , o chefe da delegação valeu-se também da superstição para levantar o espírito da equipe: “O Brasil jogará com o azul. A cor do manto de Nossa Senhora Aparecida”, disse Machado de Carvalho.

No domingo, 29 de junho de 1958, o estádio Solna-Rassunda, em Estocolmo, estava com um público de 50 mil pessoas para assistir à partida entra Brasil e Suécia. Os torcedores brasileiros viram então um começo de jogo que os fez imaginar a urucubaca aterrissar no estádio sueco.

As rezas do técnico sueco George Raynor tinham surtido efeito. O capitão Bellini perdeu o cara ou coroa, e o Brasil teve que iniciar a partida, o que estava fora dos planos. Na madrugada, caiu uma tempestade em Estocolmo que nem as nuvens acreditaram, deixando o gramado extremamente pesado, um desconforto para a técnica do jogador brasileiro. E aos quatro minutos, a Suécia fez o primeiro gol.


Assim que Bellini apanhou a bola nas redes e a entregou a Didi, o meio-campista lembrou um João Carvalhaes já amigo da psicologia. Apanhou a bola e caminhou lentamente até o meio do campo, deixando no caminho conselhos para acalmar os companheiros. “Não foi nada, pessoal. Vamos encher esses gringos”.

O tempo para que a equipe recobrasse o ritmo foi o mesmo que os suecos tiveram para inaugurar o placar: quatro minutos. Zito lançou Garrincha, que, como de costume, azucrinou os adversários que encontrou pela frente: Parling, Axbom e Bergmark. Cruzou então da linha de fundo para Vavá fazer o gol de empate.

O técnico sueco começava agora a se questionar sobre o alcance de suas preces para que seus jogadores deixassem de se apequenar diante dos brasileiros. Essa sina já acontecera em duas Copas do mundo: em 1938, na França, quando os suecos perderam por 4 a 2, e em 1950, no Brasil, quando os donos da casa ganharam por 7 a 1.

Garrincha

Raynor ficou mais encafifado com o destino assim que Garrincha, aos 32 minutos, insistiu em repetir a cena do primeiro gol: driblou três zagueiros e cruzou mais uma vez para Vavá fazer 2 a 1. Garrincha iria ainda muitas vezes à linha de fundo para que a torcida sueca esquecesse que o jogo era contra sua própria seleção e voltasse a gargalhar com a ginga brasileira. Pelé, Zagalo e novamente Pelé fizeram os demais gols do Brasil e fecharam a partida por 5 a 2.



Pelé

Aquela fora a primeira vez que uma seleção se tornara campeã do mundo fora de seu continente. Toda a delegação brasileira chorava por um feito tido como improvável. Diante de fotógrafos do mundo inteiro, Bellini ergueu a taça Jules Rimet. Os brasileiros, atrás, que esticavam o pescoço para ver a cena, pediram para que Bellini a suspendesse um pouco mais. O capitão então levantou a Jules Rimet acima da cabeça e eternizou o símbolo do triunfo. O gesto nunca mais deixou de acontecer.

Terminada a partida, viria ainda o lance final da festa, que estaria no dia seguinte em todos os jornais do mundo. Foi uma ousadia capitaneada por Paulo Machado de Carvalho e pelo massagista Mário Américo que repetia o que acontecera naquele ano de 1958 com a seleção brasileira. Essa jogada final não foi tão importante como o jogo, lógico, mas a Copa não seria a mesma sem ela.


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