sexta-feira, 17 de maio de 2013

O dia em que Ceni conheceu o inferno

 No jogo entre Atlético-MG e São Paulo pela Libertadores, que praticamente abriu os olhos das torcidas para o ano de 2013, quem deu cores ao espetáculo no estádio Independência, em Belo Horizonte, foi o gaúcho Ronaldinho, o craque que enxerga o jogo por um canal misterioso da mente, o que os mortais chamariam de olhar a partida pelo buraco da fechadura. É assim que ele faz a cena: olha pro Mané e passa pro Joaquim, olha pro Joaquim e passa pro Mané.



Rogério Ceni e Ronaldinho Gaúcho


Era o primeiro jogo das equipes na competição, e o vendedor de amendoim transitava se arrastando pelo cimento da arquibancada pra não virar barreira visual e enraivecer torcedores que miravam cada jogada como se estivessem diante dos seios da primeira namorada. E a partida até então fora um agrado morno na torcida, até que o atleticano resolveu brincar e botar fogo no confronto. E usou o goleiro Rogério Ceni como ferramenta para a algazarra.

 
A temperatura na capital mineira naquela quarta-feira começou baixa, 19°C, com espírito de cama. Mas foi crescendo com o andar da peleja até atingir os 32°C, provavelmente quando Ronaldinho Gaúcho resolveu dar o nó na cabeça dos 18.187 espectadores que lotavam o estádio naquele mês de Carnaval. Um nó construído com dois campeões mundiais, o atacante do alvinegro mineiro e o goleiro do tricolor paulista.


Ronaldinho Gaúcho


 Para os mineiros pesava naquele duelo o fato de que o time não disputava o torneiro havia 13 anos, tempo que levou embora muitos cabelos dos adoradores do Galo. Mas naquela noite de quarta-feira o Atlético tinha um recado grudado na testa para exibir aos são-paulinos: a invencibilidade de 36 jogos como mandante e o fato de nunca ter perdido em casa desde a reinauguração do Independência, em abril do ano passado. O São Paulo olhava de lado e carregava também sua mensagem: o time já fora campeão da Libertadores em três ocasiões. Era essa a bagagem dos times naquela noite de quarta-feira.

O Independência viu no começo do jogo o que se chama de fase de estudos das equipes,  com muitos toques laterais e avanços tímidos, uma mistura de prudência e cagaço. Os primeiros minutos foram salvos por uma cabeceada de Jô que fez Rogério Ceni conhecer mais atentamente os detalhes do espaço debaixo do travessão em que a grama teima em não nascer. Então, aos 13 minutos, veio o golpe da água.

Tudo começou com um lateral favorável ao Atlético, mais ou menos na altura do meio de campo. O juiz esperou algum tempo para que a cabeça dos jogadores entrasse no jogo. Enquanto isso, Ronaldinho, que perambulava pelo lado adversário, resolveu confabular e pedir água a Rogério Ceni, que aguardava o reinício da partida.

Ceni foi cordial. Afinal, estava diante de um jogador que também fora campeão do mundo, pisara nos gramados mais nobres da Europa, fora eleito o melhor jogador do mundo pela Fifa e estava ali, no Independência, implorando um gole de água. Foi então até a base da trave onde costumava guardar uma garrafa de água e a ofereceu ao amigo.

O atacante matou a sede, travou um lero-lero com Ceni e caminhou em direção à lateral, na parte próxima ao gol são-paulino, como quem vai comprar pastel na feira. Foi quando o lateral atleticano viu o sinal de Gaúcho e arremessou a bola com uma força de Hércules, ciente de uma regra que aprendera ainda quando usava fraldas: em cobrança de lateral não existe impedimento.

A bola aterrissou aos pés de Ronaldinho, que fez seu cérebro agir rapidamente. Jô surgia na área longe das marcações que costumam atormentar os centroavantes. Todos os defensores do time paulista dormiam, inclusive Rogério Ceni. Jô só teve então que empurrar a bola para as redes. Foi a glória. O goleiro do São Paulo descobriu naquele instante o outro lado do amigo ilustre, o lado amigo da onça.

A partida poderia terminar naquela hora. Mas o Atlético faria mais um gol. Ronaldinho Gaúcho desfez-se do enfrentamento de dois zagueiros e cruzou na cabeça do zagueiro Réver, que apenas se livrou do bote de Rogério Ceni. Era a segunda assistência do craque atleticano no estádio Independência. O Tricolor diminuiu com Aloísio e ainda teve de engolir o grito de gol num chute de Ganso que resvalou a trave. Dizem os atleticanos que a bola se negou a entrar para não ofuscar o dia de Ronaldinho Gaúcho. Fim de jogo. Agora era a vez dos microfones.

Os principais personagens dessa história foram os alvos preferidos. Todos os jornalistas queriam saber do episódio da água. Ronaldinho era só sorrisos. Ceni era só carranca.  Mas logo ele se desvencilhou das queixas. Ceni também é chegado em esquisitices bem-sucedidas, como a de quando se candidatou a ser um goleiro batedor de faltas. Rogério Ceni sabe que, como a vida, a bola rola.

2 comentários:

  1. Muitos babacas criticaram o Gaúcho. Consideraram que lhe faltou "fair-play". Bobagem, "fair-play" é para jogador caído. O que houve é que lhe sobrou malandragem.

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  2. Daniel, acho que o que houve foi uma certa manha, a manha que todos fazem no jogo. Aliás, faz parte do jogo. Mas nem sempre o olhar do observador leva em conta isso. Quando um jogador de basquete joga a bola nas costas do adversário para depois pegar o rebote e concluir o lance é considerada uma jogada desleal? A jogada é tida como legal. Mas o que tem de diferente da jogada do Ronaldinho?

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