domingo, 13 de outubro de 2013

Amarelinha (17) Locutor paga mico com vitória brasileira



Pelé em 1958
 Futebol brasileiro perde brilho e corre para retomar a magia


Capítulo 1 - Seleção derrota o “complexo de vira-latas”



Resumo do texto anterior

O jogo do Brasil contra a União Soviética na Copa da Suécia em 1958 ficou marcado ela entrada de Pelé e Garrincha na competição. Entrou também para a história pelo que foi considerado o momento dos três minutos mais alucinantes do futebol, tempo em que Garrincha deu um nó na cabeça dos defensores adversários com dribles fantásticos conduzidos por suas pernas tortas. Aquele início de jogo desnorteou a equipe da União Soviética. Com os 2 a 0, a seleção brasileira se classificou para as quartas de final.


Locutor paga mico com a vitória brasileira

Geraldo Bretas não queria mais sair na rua. Não que tivesse alguma coisa contra o transeunte com quem esbarrou numa esquina. Mas o homem era um sujeito que ele encontrou na hora errada, exatamente no dia seguinte em que a seleção brasileira ganhara da União Soviética por 2 a 0. E o cidadão lhe atirou um olhar estranho, e trazia no rosto um sorriso imóvel, como se fosse uma estátua sonsa. O provocador não falava nada. Só o olhava como se dissesse: “O senhor não é o locutor da Tupi, aquele sabichão que prometera abandonar a carreira de radialista caso o Brasil fosse campeão do mundo”?

O homem da esquina não falou isso. Mas Bretas imaginou a mensagem. O interlocutor, que só se comunicava com a face, apenas olhou para sua cara e deixou os dentes levemente à mostra, num sorriso claramente sorrateiro. Sim, sorrateiro! Bretas chegou a perguntar para o indivíduo: “Está olhando por quê? O senhor está precisando de alguma informação?” Mas ele não respondeu nada. Só carregava o sorriso pendurado no rosto. “Claro, era uma afronta”!

Bretas abandonou a esquina e se enfiou no apartamento. E, surpresa, começou a roer as unhas. Ele nunca fizera isso na vida. Costumava lidar com as adversidades de forma serena. Embora assumisse no rádio a figura de um personagem ranzinza, dono de uma falação destemperada – um liquidificador rouco, alfinetavam seus detratores -, no íntimo ele era um sujeito calmo, pensava. Exagero: era calmo de vez em quando.

Geraldo Bretas

Por isso, achou um desvio de comportamento quando deu para roer as unhas assim que se lembrava do homem-estátua. Nem fora capaz, naquele dia, de tomar um café com leite na padaria da esquina, sua rotina diária. Esquisito. Mas resolveu empenhar-se no trabalho, no que iria falar para os ouvintes da Tupi sobre o andamento da Copa da Suécia.

Teria que falar de Garrincha e do estrago causado por ele no dia anterior. Sobre a vitória contra a União Soviética, ainda era obrigado a citar o jornalista esportivo francês Gabriel Hannot, do jornal L’Équipe, que tinha urticária quando lembrava que o ponta ficara sem jogar pela seleção brasileira nos dois primeiros jogos da Copa da Suécia. De acordo com o jornalista Ruy Castro, Hannot já vira Garrincha jogar na Europa, em excursões do Botafogo em 1955 e 1956, e decifrara a história: Garrincha é o nome da vez, “um dos maiores pontas do mundo. Maior que Julinho”.


Garrincha surpreende a torcida

E Garrincha, no jogo contra a União Soviética, fizera aquilo que o francês previra: aniquilar quem estivesse pela frente o mais rápido possível. Pela avaliação do jornalista, a próxima equipe a ser derrubada seria a da seleção do País de Gales, o que contrariava a posição de Geraldo Bretas, para quem o Brasil despencaria na hora da fotografia, como quem se abaixa no momento do clique. O locutor chegara a dizer que teria a força de carregar nos ombros toda a delegação brasileira caso o Brasil fosse o campeão na Suécia. Pilhéria, lógico. Bretas não conseguiria nem sacolejar o gorducho técnico Feola.

Naquela semana em que Garrincha finalmente entrara em campo, os jornais europeus não falavam em outra coisa. Estavam assustados pelo fato de ele ter ficado de fora até então. Com a mesma dúvida, estavam os 50 mil torcedores que lotaram o estádio Nya Ullevi, em Gotemburgo, no jogo contra a União Soviética; estavam os companheiros da seleção - exceto Joel, claro – e estavam os 300 brasileiros que pegaram o avião para assistir à Copa. Só os membros da comissão técnica, orquestrados por Ernesto Santos, conheciam os segredos da condição de reserva de Garrincha no início da competição.

Vicente Feola

O Brasil estava nas quartas de final. O adversário seria o País de Gales, no estádio Nya Ullevi, em Gotemburgo. Jimmy Murphy, o técnico da equipe, se contentava com um empate contra os brasileiros, como havia acontecido em três jogos anteriores nas oitavas de final. Por isso, montou duas paredes, um grupo de quatro jogadores na risca da área e outro de cinco na intermediária. No ataque, só ficou o solitário Webster, o cara escalado para tentar fazer um gol no Brasil, time que ainda não sabia o que era ver suas redes balançarem.

A estratégia deixou os jogadores brasileiros mordendo as bochechas até os 26 minutos do segundo tempo. Foi quando Mazzola apareceu na ponta direita, levantou a bola na boca da grande área. E ali surgiu Didi, que na corrida cutucou a bola para Pelé dentro da área. De costas para o gol, Pelé percebeu que tinha outra parede às suas costas, o gigante Mel Charles. Tocou então a bola à uma altura que infernizou o grandalhão – impossível para chutar, impossível para cabecear. Depois só girou o corpo, ficou atrás de Mel Charles e chutou no canto direito da meta. Foi o primeiro gol de Pelé em Copas do Mundo.

Geraldo Bretas já estava viciado em roer as unhas.


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